Por que uma indústria que recebe leite “dentro do padrão”, segue processos relativamente estáveis e opera com equipe experiente ainda enfrenta oscilações de textura, desvios de processo, devoluções comerciais e reclamações de clientes? A resposta mais frequente é: ausência ou uso insuficiente de indicadores de qualidade realmente integrados ao controle da operação.
Em laticínios os indicadores funcionam como sensores do sistema: revelam desvios invisíveis, direcionam decisões e reduzem a dependência da “sensação de experiência” para uma gestão baseada em evidências.
Como definir indicadores de interesse
Antes de escolher números, a indústria precisa definir função e utilidade do indicador. O método SMART pode ajudar nesta seleção. Segundo o Sebrae, esta é uma metodologia para o delineamento de metas. Ela fornece parâmetros para que o objetivo seja estabelecido de forma coerente, envolvendo desafios, mas também sendo possível. Atendendo a critérios específicos, criam-se condições mais favoráveis para a idealização do alvo. Cada letra da sigla SMART significa um aspecto diferente.
| S (Specific) — Específico | Descreva exatamente o que se busca alcançar, o que será medido, não devendo ser vaga. |
| M Mensurable) — Mensurável | Defina recursos para avaliar se a meta foi ou não alcançada. O objetivo deve ser mensurável quantitativamente. |
| A (Attainable) — Atingível | As metas devem ser realistas frente ao histórico da planta e do produtor. Uma meta inatingível é grande fonte de frustação para a equipe e até mesmo prejuízos financeiros. |
| R (Relevant) — Relevante | Só mantenha indicadores com impacto direto na qualidade, custo, produtividade ou conformidade, ou seja, aqueles que são relevantes para o processo e para o estabelecimento. |
| T (Time Based) — Temporal | Estabeleça prazos para as metas serem alcançadas. Sem a definição de um prazo para atendimento o objetivo é esquecido com facilidade. |
Além disso, para cada indicador é necessário definir:
- Responsáveis pela coleta e análise;
- Frequência de registro;
- Ações padronizadas para desvios
Indicadores utilizados do setor lácteo
Abaixo trago alguns critérios que podem ser utilizados como indicadores nas indústrias de laticínios:
1) CPP (Contagem Padrão em Placas) do leite cru
Por que importa:
Controla higiene na ordenha, eficiência de refrigeração e tempo/temperatura até o processamento. CPP elevada impacta em rendimento, gera defeitos em queijos e menor vida útil em produtos terminados.
Como usar:
- Acompanhar por produtor (média geométrica), por transporte e por silo.
- Ajuda a criar faixas de bonificação e penalização.
- Reforçar ações no campo e na indústria
2) CCS (Contagem de Células Somáticas)
Por que importa:
Afeta rendimento de queijos devido à pior coagulação, altera composição e está diretamente relacionada à mastite subclínica.
Uso prático:
- Monitoramento mensal por produtor;
- Inclusão em programas de melhoria no campo.
3) Crioscopia
Por que importa:
Indica adulteração por adição de água ou outros componentes que provoquem variações de composição, impactando em formulação, rendimento e textura de queijos e derivados.
Uso prático:
- Avaliação da incidência de adulteração por rotas e produtores
- Avaliação do impacto do empurre de agua nas linhas após o descarregamento do leite.
4) Resíduos de antibióticos / inibidores
Por que importa:
A presença de antimicrobianos inibem culturas lácticas, geram falhas de fermentação e constituem risco sanitário e de segurança do alimento. Uma única batelada contaminada pode comprometer centenas de quilos de produto.
Uso prático:
- Identificação de rotas e fornecedores crítico.
- Maior direcionamento na aplicação de preventivas pela equipe de campo
5) Parâmetros físico-químicos do leite
Por que importa:
Estabilidade térmica, rendimento, textura e padronização do produto final dependem diretamente desses indicadores.
Uso prático:
- Monitoramento da matéria prima possibilitando identificar sazonalidades e rotas criticas
- Monitoramento dos fornecedores e direcionamento de ações de melhorias
6) Indicadores microbiológicos de produto terminado
Por que importa:
Garantem conformidade legal, segurança do alimento e do consumidor, estabilidade do shelf-life e atendimento a auditorias de varejo/exportação.
Como integrar ao processo:
- Avaliação de tendencias ao desvio;
- Conformidade legal e atendimento aos requisitos de clientes
7) Indicador de devoluções de mercado (%)
Por que importa:
Reflete diretamente falhas de processo, armazenamento, logística e qualidade sensorial. É um indicador de impacto comercial imediato.
Como conduzir:
- Registrar motivos (textura, estufamento, sinérese, sabor, durabilidade);
- Calcular % por volume vendido;
- Cruzar com indicadores microbiológicos, temperatura de expedição e variações de matéria-prima para identificar a causa do desvio
8) Indicador de reclamações de consumidores
Por que importa:
É a percepção final da marca e o indicador mais sensível a falhas sutis do processo.
Como estruturar:
- Classificar reclamações por tipo (embalagem, corpo do produto, sabor, inconsistência, segurança);
- Relacionar com controles críticos ( pós-processo, embalagem, temperatura de estocagem).
9) Resultados do monitoramento ambiental
Por que importa:
Ambientes sujos ou mal higienizados são a principal fonte de pós-contaminação.
Como aplicar:
- Mapear superfícies críticas (tábuas, mesas, utensílios, drenos, empacotadoras, câmaras frias);
- Realizar swabs semanais ou quinzenais;
- Monitorar indicadores como ATP, coliformes e aeróbios mesófilos;
- Avaliar as tendencias dos resultados e traçar ações para evitar o desvio
10) Volume de produto bloqueado
Por que importa:
Produto bloqueado em excesso indica instabilidade do processo, desvio nas BPFs e causam aumento no custos de formulação e descarte de produtos.
Como utilizar:
- Medir a quantidade de produto bloqueado gerados por período;
- Segmentar por causa (desvio microbiológico, desvio físico-químicos, defeitos sensoriais, etc);
Benefícios da implementação dos indicadores
Alguns ganhos podem ser observados quando se estrutura indicadores, sendo eles:
- Melhor acompanhamento do processo e redução de perdas e reprocessos
- Maior padronização dos produtos
- Conformidade regulatória e segurança do consumidor
- Decisão baseada em dados
- Possibilidade de tomada de ação antes da não conformidade
Importante: Indicadores só geram valor quando são regularmente analisados e conectados a ações concretas. Um indicador que não gera decisão ou ação é apenas mais um número em uma planilha.
Conclusão
A implementação dos indicadores amplia a visibilidade da indústria sobre toda sua cadeia: do produtor ao consumidor final. Para as empresas, esses dados representam o caminho mais seguro e econômico para reduzir perdas, aumentar consistência, qualificar fornecedores, elevar margens e conquistar mercado.
Não sabe como implantar indicadores ou precisa de um diagnóstico e melhorias nos que já possui?
Implemente um sistema de indicadores que realmente gera resultados na realidade operacional da sua indústria.
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Fontes:
– SEBRAE. Guia completo para definir metas SMART na empresa. Disponível em: https://sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/PE/Anexos/Guia%20completo%20para%20definir%20metas%20SMART%20na%20empresa.pdf Acesso em: 26/11/25
Autor
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Sou consultora em segurança de alimentos, formada em Ciência e Tecnologia de Laticínios pela (UFV) e pós-graduada em Sistemas de Gestão Integrado pelo SENAC. Ao longo da minha carreira, atuei em empresas de grande porte, onde tive a oportunidade de crescer profissionalmente e assumir cargos de gestão. Acredito que conhecimento técnico aliado à experiência prática é essencial para transformar realidades e garantir processos mais seguros e eficientes.
Sou natural de Viçosa, MG, e tenho verdadeira paixão por conhecer lugares novos — viajar me inspira, renova minha energia e amplia minha visão de mundo.