O suor frio, o coração acelerado. Todo profissional de qualidade conhece a tensão do momento em que um fiscal do SIF encontra uma não conformidade crítica durante a auditoria. Antes, o procedimento padrão seria a aplicação imediata de uma medida cautelar: suspensão de atividades, apreensão de produto. Mas a nova era do autocontrole mudou o jogo.
Hoje, a primeira coisa que o fiscal fará não é sacar o bloco de autos. Ele irá se virar para você e fazer a pergunta mais importante da sua auditoria:
“Qual ação a empresa vai tomar sobre esse achado?”
Nesse momento, o fiscal não está apenas perguntando, ele está avaliando o quanto o seu estabelecimento detém controle sobre os próprios processos. Sua resposta pode ser a diferença entre uma ação resolvida internamente e uma paralisação que custa caro.

Por que o Fiscal pergunta antes de aplicar uma Medida Cautelar?
O movimento do autocontrole tem esse nome por um motivo simples: a empresa se controla. Isso significa que, antes de o fiscal sair aplicando ações fiscais, ele precisa entender se o estabelecimento tem condições de se autocontrolar diante daquele achado.
Quando o fiscal encontra uma não conformidade de risco alto, ele obrigatoriamente tem que ter uma medida cautelar em mãos. Afinal, ali o processo está em risco e demonstrando descontrole. Porém, se a empresa conseguir oferecer uma ação compatível com aquela que ele tomaria, a medida cautelar pode ser evitada.
A questão é: o que significa “ação compatível”? E como você oferece essa resposta na hora da pressão?
Passo 1: Entenda o Risco – Processo e Produto
Achados de alto risco, por definição, quase nunca impactam uma frente só. Eles envolvem um processo em descontrole que está gerando um produto potencialmente não conforme.
O exemplo da garrafinha de iogurte com a data de validade apagada é perfeito.
- Risco no Processo: A máquina de inkjet está com uma falha e não imprime a data corretamente.
- Risco no Produto: As garrafinhas estão saindo sem rastreabilidade, o que é uma falha gravíssima que impede um eventual recolhimento e coloca o consumidor em risco.
Sua resposta ao fiscal precisa, obrigatoriamente, tratar essas duas frentes.
Passo 2: Proponha a Ação de Correção – A Resposta Imediata
Ação de correção é para estancar o sangramento, restabelecer a condição básica do processo sem, necessariamente, entender a causa raiz naquele exato momento. Sua ação deve ser compatível com a medida cautelar que o fiscal tomaria.
Para o caso da garrafinha:
- Ação no Processo: “Vou terminar o envase deste tanque para não perder o produto e, em seguida, paralisar imediatamente a linha para que a manutenção possa intervir na inkjet“.
- Ação no Produto: “Vou reter todo o lote de produção que foi envasado sob essa condição. Nenhuma garrafinha sairá da fábrica até que o problema seja resolvido”.
Essa resposta mostra que você entende a gravidade e está agindo para proteger o consumidor, espelhando a ação do SIF de “suspensão + apreensão”.
Passo 3: Detalhe a Ação Corretiva – A Solução da Causa Raiz
Depois de controlar o problema imediato, você precisa mostrar ao fiscal como vai evitar a recorrência. Ação corretiva nasce da investigação de causa.
Continuando o exemplo:
- Ação no Processo: “A manutenção irá investigar a falha na inkjet e emitir um laudo. A partir disso, definiremos ações como a compra de um equipamento reserva ou a criação de um novo checklist de verificação de impressão no início de cada produção”.
- Ação no Produto: “O lote retido passará por uma triagem de 100%. As garrafinhas com data legível serão liberadas. As que estiverem com a data comprometida serão descartadas, pois não possuem via de reprocesso. Todo o processo será documentado”.
Ao apresentar esse plano completo, você demonstra domínio, controle e responsabilidade. Você oferece uma ação tão ou mais robusta que a do próprio fiscal, provando que o “autocontrole” da sua empresa funciona. E é isso, no final das contas, que evitará a medida cautelar e o maior desgaste que um laticínio pode ter.
A Importância da Documentação
Toda essa conversa precisa estar respaldada pelos seus programas de autocontrole. Não adianta improvisar uma resposta brilhante se ela não estiver alinhada com seus procedimentos internos.
O fiscal vai querer ver como isso está previsto no seu programa de rastreabilidade, quais são seus procedimentos para situações de falha na identificação, como você faz bloqueio de produto e triagem.
Erros Comuns que Levam à Medida Cautelar
- Não entender a diferença entre correção e corretiva: Oferecer apenas uma ação superficial
- Focar apenas no processo ou apenas no produto: Em riscos altos, sempre são os dois
- Não ter respaldo nos programas de autocontrole: Improvisar respostas não documentadas
- Não demonstrar capacidade de execução: Prometer ações que a empresa não consegue cumprir
Conclusão
O Programa de Autocontrole (PAC) não é um jogo de adivinhação. É uma demonstração técnica de que sua empresa realmente domina seus processos e tem capacidade de se autogerir diante de situações críticas.
A pergunta do fiscal não é uma pegadinha. É uma oportunidade de mostrar a confiabilidade do Controle e Garantia da Qualidade para manter a segurança dos produtos que chegam ao consumidor.
Quando você domina esses conceitos, a fiscalização deixa de ser um pesadelo e se torna uma conversa técnica entre profissionais que querem a mesma coisa: produtos seguros chegando ao consumidor final.
A diferença entre uma empresa que sofre com fiscalizações e uma que as encara com tranquilidade está justamente no domínio desses fundamentos.
E no final do dia, isso não é sobre fiscalização e não é sorte, é conhecimento técnico aplicado na prática.
Precisa de ajuda para estruturar seus Programas de autocontrole (PACs)?
Nossa consultoria especializada em laticínios pode ajudar sua empresa a se preparar adequadamente para fiscalizações e implementar programas de autocontrole eficazes. Clique aqui e fale conosco
Este artigo é baseado em situações reais de fiscalização em laticínios. Cada caso tem suas particularidades, mas os princípios fundamentais permanecem os mesmos: demonstrar domínio técnico, capacidade de ação e compatibilidade com os padrões regulatórios.
Autor
-
Mineira, formada em Laticínios pela UFV, com mais de 18 anos de chão de fábrica. Já passei por muita coisa na área da Qualidade, e foi vivendo tudo isso que vi que dava pra fazer diferente: com mais clareza, mais prática e menos enrolação. Hoje compartilho esse caminho no Descomplica e na Qualy, pra quem quer sair do “só teoria” e fazer acontecer de verdade.